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Entrevista: Giba se despede da seleção em Londres

 
Ele poderia se chamar Gibakov, Gibacevic ou Gibakawa, mas quis o destino que no dia 23 de dezembro de 1976 dona Solange e seu Gilberto estivessem em Londrina, e Gilberto Amauri Godoy Filho nascesse brasileiro de corpo e alma. Corpo castigado por uma leucemia diagnosticada com apenas seis meses de vida e uma fratura no braço esquerdo, aos 12 anos, que quase o impediu de jogar vôlei. Alma de um sujeito trabalhador e guerreiro, que não se deu por vencido nem nos piores momentos. Como ao ser flagrado no exame antidoping por uso de maconha, em 1992, ou no corte do amigo inseparável Ricardinho, às vésperas do Pan do Rio de Janeiro, em 2007.

Adversários tão difíceis como foram Itália, Sérvia, Rússia, Estados Unidos, Polônia e Cuba nos últimos 16 anos. Mas nada comparado à dor que Giba vai sentir após as Olimpíadas de Londres, quando deixará de usar a camisa 7 da seleção, que ficará imortalizada na memória dos brasileiros.

Vôlei Giba Liga Mundial Brasil x Porto Rico (Foto: Alexandre Arruda/CBV)Giba se prepara para o último ataque pela seleção nos Jogos de Londres (Foto: Alexandre Arruda/CBV)
 
Embora a decisão de deixar a seleção tenha sido planejada com a mulher Cristina Pirv e sua família em 2008, o apetite incessante pelas conquistas às vésperas de sua quarta e última participação olímpica e a certeza de que ainda estará em forma em 2016 deixam transparecer que a ficha de Giba ainda não caiu.
- Acho que só vou sentir essa nostalgia quando não estiver mais aqui. Com certeza essa rotina que eu tenho desde os 15 anos vai fazer muita falta. Vai ser bem difícil de me acostumar - afirmou o capitão da seleção masculina.

A equipe comandada pelo técnico Bernardinho abre os trabalhos na Arena do Vôlei de Londres neste domingo, contra a Tunísia, às 18h (de Brasília). O Brasil está no grupo B, que tem ainda Alemanha, Rússia, Sérvia e Estados Unidos. Os quatro primeiros avançam para as quartas de final.

O currículo vitorioso de Giba se confunde com o da seleção brasileira. Nas conquistas do ouro em Atenas, do tricampeonato mundial (Argentina-2002, Japão-2006 e Itália-2010) e dos nove títulos da Liga Mundial, só para citar alguns dos feitos mais importantes do vôlei nacional, Giba só não fez parte do grupo que ganhou a Liga Mundial de 1993, em São Paulo, ainda sob o comando de Zé Roberto.

Com cara de sono e sem o bigode mexicano que se tornou sua marca registrada em cada conquista da seleção e que o torcedor brasileiro espera rever no dia 12 de agosto, data da final olímpica, Giba nem parecia próximo do adeus. Tranquilo, brincalhão e solícito como de costume, o ponteiro não fugiu de nenhuma pergunta na conversa com o GLOBOESPORTE.COM, nem mesmo quando o assunto esquentou e deixou de ser o vôlei.

Aos 35 anos e considerado por muitos como o melhor jogador de todos os tempos, Giba falou ainda sobre a importância de Bernardinho, da mudança para o vôlei argentino após as Olimpíadas e que o Brasil vai sim brigar pela medalha de ouro na capital britânica.

vôlei brasil giba coletiva (Foto: Vanessa Carvalho / Agência Estado)
 
Você passou a última temporada sem jogar. Em algum momento chegou a temer ficar fora dos Jogos de Londres?

Não, de jeito nenhum. Até porque foi tudo muito bem conversado com o departamento médico da seleção até chegarmos a decisão de realizar a cirurgia sabendo que dava tempo de me recuperar antes das Olimpíadas. O Ney (Pecegueiro, médico da seleção) me acompanha há 12 anos e sabe como funciona meu organismo e minha recuperação.

Após 16 anos vestindo a camisa do Brasil, realmente chegou a hora de dizer adeus à seleção brasileira depois de Londres?

É, está na hora. Dezesseis anos no adulto e mais quatro nas seleções de base. Está bom demais.

Está preparado para deixar a seleção e tudo isso para trás?

Estou tentando, mas eu acho que só vou sentir realmente essa nostalgia quando eu não estiver mais aqui. Quando você para repentinamente, como foi o caso da Cristina, que teve um problema no coração, é muito pior, pois você fica com a sensação de que poderia ter feito muito mais. No meu caso não. Eu dei o máximo. Essa decisão foi um planejamento familiar traçado em 2008, quando começamos a pensar em seguir outros projetos que temos. Mas com certeza vou sentir falta dessa rotina que eu tenho desde os 15 anos. Das viagens, dessas brincadeiras saudáveis que a gente faz um com o outro e das amizades que eu construí ao longo desses anos. Acho que isso vai ser bem difícil de me acostumar.
 
Tem como você destacar um momento mais marcante nessa trajetória vitoriosa?

A gente fala da Olimpíada porque é uma Olimpíada. Mas eu coloco como um sonho que eu sempre tive. Eu sempre falei nas minhas entrevistas que desde os 16 anos eu sonhava em disputar uma Olimpíada. Ganhar, então, nem se fala. O título mundial infanto, quando eu resolvi ser um jogador profissional, e o vice-campeonato mundial juvenil, quando eu fui eleito o melhor jogador, também foram importantes. Cada fase da minha vida teve um momento marcante. Não tem como escolher um só.

E tem um mais difícil, aquele que gostaria de não ter vivido?

Acho que não. Mesmo nos momentos mais difíceis, eu sempre tirei uma lição, sempre aprendi e cresci muito. Existiram momentos difíceis, com certeza, mas eles foram rapidamente esquecidos e transformados em coisas boas.

Campeão olímpico, tricampeão mundial, campeão pan-americano, oito vezes campeão da Liga Mundial e do Sul-Americano e bicampeão da Copa do Mundo pela seleção. Ficou faltando alguma coisa?

O que faltou mesmo foram os títulos em clube. É uma coisa que eu sinto falta, mas lutei bastante para isso. A única coisa que eu ganhei fora do país foi uma Copa Itália. No Brasil, foram apenas duas Superligas pelo Minas, em 1999 e 2000.

Aos seis meses de vida você foi diagnosticado com leucemia e, aos 12, levou 150 pontos no braço esquerdo, após sofrer um grave acidente ao cair de uma árvore, que o deixou longe do vôlei por mais de um ano. Você chegou a pensar em desistir?

Nunca. A superação sempre marcou minha vida nos momentos de dificuldades. Não vim de uma família rica, mas também não posso dizer que vim de uma família pobre. Tive uma educação muito boa, uma base familiar, mas a dificuldade é o lema do brasileiro. Nosso povo está sempre se superando e aprendendo. As pessoas falam que eu sou muito otimista, mas não é isso. Eu falo sempre que a gente nasce e morre aprendendo. Sempre procurei buscar força em todas essas coisas ruins que aconteceram. A nossa tônica na seleção sempre foi a superação. Eu sempre peguei o que estava errado e procurei tentar consertar.

giba pirv atletas campanha instituto arte de viver (Foto: Divulgação)
 
Em 2002, você foi flagrado no exame antidoping por uso de maconha. Esse foi o momento mais difícil da sua carreira?

Foi, mas o que mais ficou marcado mesmo foi que eu encontrei a minha mulher (a ex-jogadora Cristina Pirv). A gente se reencontrou dia 13 de janeiro de 2003 e eu me lembro de uma frase perfeita dela quando saiu o resultado do exame, no dia 29. Estávamos juntos há 16 dias apenas e disse a ela que era melhor acabarmos tudo porque eu não queria manchar a carreira dela por uma besteira que eu tinha cometido. Daí ela me disse: “não, primeiro eu quero te tirar dessa situação e depois a gente decide o que fazer. Quem decide se eu quero ficar com você ou não sou eu. Isso não vai me atrapalhar”. Foi uma coisa mais do que positiva na minha vida.

Você sempre foi o grande amigo do Ricardinho na seleção. O que significou o corte dele?

Na verdade foi um choque para todo mundo, um baque muito grande. Até pela maneira como a gente vinha jogando. O time tinha se formado, vinha conquistando títulos, mas tivemos que levantar a cabeça e seguir em frente. Foi uma coisa decidida naquele momento, que ficou guardada a sete chaves entre a gente no passado e que nunca sairá de lá.

A atitude do Bernardinho foi a mais acertada na ocasião?

Costumo falar sempre que a seleção assim como qualquer clube ou empresa tem uma hierarquia. Com certeza foi uma questão muito discutida e questionada antes de ser decidida. O Bernardo teve as razões dele e a gente acatou, pois o cara é o presidente da empresa e nós somos os funcionários. Certo ou errado, é sempre difícil você falar de um corte ou de uma situação que acaba daquele jeito. Usando as palavras dele, quem sabe um dia vocês vão estar do lado de cá e entender como é difícil fazer isso.

Você foi consultado na volta do levantador à seleção?

A gente conversou sobre isso. Mas tanto o corte quanto a volta foram decisões da comissão técnica. Pelo bem estar do grupo eu conversei com o Ricardo até uns quatro meses após o ocorrido e já estava conversando com ele sobre uma possível volta há mais de um ano, desde que ele voltou da Itália. Eu não tive problemas em momento nenhum, e passei tudo isso para o Bernardo sem qualquer rancor. Nossa relação de amizade é a mesma de antes.

Acho que uma renovação radical nunca é muito bem vinda. Tudo tem começo, meio e fim. É normal essa renovação. Os jogadores que estão aí com 24, 25 anos estão prontos para assumirem o posto e serem os líderes dessa geração"
 
Pela primeira vez em 14 temporadas o Brasil ficou fora das semifinais da Liga Mundial. Você acha que chegou a hora de fazer uma renovação radical no grupo?

Acho que uma renovação radical nunca é muito bem vinda. Se a gente lembrar de quando o Bernardo chegou em 2001, ele manteve alguns jogadores mais experientes como o Giovane e Maurício. A mescla é sempre a melhor coisa. Você não pode pegar um monte de moleque novo colocar na quadra e mandar se virar. Você tem que ter alguém para orientar, para estar junto o tempo inteiro. Eu acho que essa mescla foi boa. Claro que chega uma hora que você tem que pensar no ciclo olímpico, e teremos mais um até 2016. Por exemplo, será que eu não chego em 2016 bem? Eu sei que vou chegar pelo tanto que me cuido e que me dedico, tanto que depois da cirurgia eu estava de volta às quadras em apenas um mês e meio. Mas está na hora de pensar no futuro. Tudo tem começo, meio e fim. É normal essa renovação. Os jogadores que estão aí com 24, 25 anos estão prontos e com a experiência necessária para assumirem o posto e serem os líderes dessa geração.

Sua geração entrou para a história como um dos times mais vitoriosos de todos os tempos no esporte coletivo. Qual a importância do Bernardinho nessa supremacia?

Eu sempre brinco que o Bernardo como técnico é o melhor psicólogo que eu já tive, porque ele sabe tirar o melhor de cada atleta quando o melhor é realmente necessário. Ele é muito bem assessorado por grandes profissionais. Tinha o Tabach (Ricardo Tabach, ex-assistente técnico da seleção), agora tem o Rubinho, o Chico foi e voltou, o José Inácio, que para mim é uma referência na parte física, o Fiapo na fisioterapia, e a estrutura que a CBV nos proporciona. É um conjunto de muitas coisas que ele soube capitalizar. Ele sempre fez a gente ter novos desafios. Ele soube fazer isso com perfeição, além de conseguir tirar o melhor de cada um nos treinos. O Bernardo é um pilar dentro do time.

Certamente depois de tantos anos existe um desgaste natural. Você acha que chegou a hora dele também deixar a seleção e partir para outros desafios?

Isso é uma incógnita.

O Bernardinho está cansado?

Não, cansado o Bernardo não está nunca (risos). É igual aqueles aposentados que morrem se você tirar o emprego deles e mandá-los para casa. Ele tem uma paixão muito grande pelo vôlei. Existe uma coisa dentro dele que é essa ânsia de ganhar, de buscar a perfeição, de ensinar, que acaba se tornando maior do que ele. Difícil responder. Fora do vôlei ele não vai ficar.

Giba no treino da seleção de vôlei (Foto: Alexandre Arruda / CBV)
 
Se ele optar em deixar a seleção após Londres, quem você gostaria de ver no comando da Seleção?

Difícil, mas o único nome que realmente me vem à cabeça hoje é o do Giovane.

Existe a possibilidade de você se tornar técnico quando encerrar a carreira?

Menos 0,001 por cento (risos). Não é uma coisa que tenha vontade. Prefiro assumir uma função administrativa, pegar a experiência desses anos todos de carreira e usar do lado de fora das quadras. Minha vontade é continuar no vôlei.

O Brasil vai brigar pela medalha de ouro em Londres?

Com certeza. É aquela velha história, ninguém vem aqui em Saquarema, ninguém sabe a nossa rotina e quais os nossos objetivos. Se a Federação Internacional organizasse um calendário que desse tempo de a gente ter um repouso depois de um pico de trabalho seria bem diferente, como aconteceu ao longo de todos esses anos. Mas como isso não aconteceu, priorizamos a Olimpíada. A Liga Mundial tem todo ano. Infelizmente na mentalidade do brasileiro ou você é campeão ou você não é nada. Sabemos que acostumamos mal as pessoas, mas lamento que essa mentalidade do brasileiro não seja só em relação ao vôlei.
Acho que o dia que pararmos para pensar na supremacia, a gente cai. Vou deixar para pensar nisso só quando eu parar de jogar"
Giba
 
Vocês têm a exata noção da supremacia conquistada pelo vôlei brasileiro nos últimos 11 anos?

A gente não para muito para pensar nisso. Temos tanto prazer, tanta vontade de estar aqui...Tesão mesmo, acho que essa é a palavra que melhor define nosso sentimento. Nosso ganha pão é o que mais gostamos de fazer e isso torna o nosso tempo aqui mais prazeroso. Acho que o dia que pararmos para pensar na nessa supremacia, a gente cai. Vou deixar para pensar nisso só quando eu parar de jogar.

Você já atuou na Itália e na Rússia e acaba de assinar um contrato com o Bolivar, da Argentina. Porque a opção de jogar numa liga pouco atrativa?

Acho que pela motivação de aumentar o nível de um campeonato. Quando eu, o Gustavo e o Rodrigão voltamos para o Brasil, nós esquentamos o mercado e todas as equipes começaram a se mexer. A Rússia tinha uma liga muito forte, mas quando eu, o Ball (levantador americano) e outros jogadores de peso jogamos lá, a liga cresceu e hoje é uma das melhores do mundo com um investimento absurdo. Eu fico muito feliz de fazer parte dessa renovação. O projeto que o presidente do Bolivar me mostrou também me empolgou.

A Superliga hoje é composta quase que na sua maioria por jogadores brasileiros e é uma das melhores do mundo. Você gostaria de ver mais estrangeiros jogando aqui?

Claro. Já tivemos jogadores como Brian Ivie, Weber, Olikhver, Milinkovic, Grbic e tantos outros por aqui. Era uma liga excepcional. Trazer grandes jogadores de fora não significa tirar espaço dos brasileiros. É claro que se torna caro por um monte de coisas, como transferência, casa, carro. Lá fora é comum arcar com essas despesas dos jogadores estrangeiros. É uma questão de cultura, que infelizmente ainda não temos aqui.

Qual seu ídolo no vôlei?

Eu me espelhei bastante no Carlão no início da minha carreira. Era um jogador que tinha uma raça incrível e com quem eu tive o prazer de jogar em clube e na seleção. Passei a admirá-lo ainda mais como pessoa. E no Renan, um jogador que foi um ícone do vôlei.

ricardinho giba seleção brasileira vôlei (Foto: Divulgação / CBV)
 
Quem foi o seu grande companheiro nesses 16 anos de seleção?

O Ricardo, não tem como não ser. A gente começou junto na seleção infanto juvenil, em 1992, e depois dividimos o quarto em Saquarema e nas viagens durante onze anos. Tive o prazer de frequentar a casa dele, de ver as filhas dele nascerem, de vê-lo casar e de acompanhar todas as coisas que acontecerem na vida dele. Assim como ele também viu as coisas acontecerem na minha. Ele foi a pessoa que mais esteve do meu lado nesse tempo.

Quais são seus planos para quando deixar o vôlei?

Ainda não sei. Estou fazendo alguns cursos de administração esportiva e algumas outras coisas que eu quero aprender, até porque teremos dois grandes eventos esportivos no Brasil em 2014 e 2016. Aqui dentro eu sou o Giba, mas lá fora eu sou o Gilberto e tenho que estar bem preparado para isso. Minha vontade é passar a trabalhar nesse lado administrativo, quem sabe na CBV ou no COB.

O Bernardinho disse que nunca viu um jogador se dedicar tanto em uma quadra de vôlei como você. Como você se define?

Um apaixonado por vôlei que procurou dar sempre o melhor por onde passou. Procurei me dedicar ao máximo e não deixar nada a desejar. O pior sentimento é aquele de que você poderia ter feito mais ou de uma forma diferente. Mas dei o máximo e me considero um cara que fez de tudo para perseverar e ajudar sempre. Escolhi um esporte coletivo por causa disso. Eu pratiquei esportes individuais, como natação e tênis, mas vi que o individual não era para mim. Também joguei futebol de salão como meu pai e depois fui para o campo. Eu não era ruim não, mas percebi que não dava e meu caminho era outro.

vôlei Giba (Foto: Divulgação / FIVB)Após Londres, Giba disse se despede da seleção e vai jogar no Bolivar, da Argentina (Foto:Divulgação / FIVB)


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