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Marco Aurélio quer ser a pedra no sapato de favoritos do vôlei


Marco Aurélio Motta, técnico da seleção de vôlei da turquia (Foto: Agência Getty Images)

Pisar em solo olímpico não é uma novidade para Marco Aurelio Motta, mas se tratava de uma lembrança distante. Nos Jogos de Seul-88, como assistente técnico, fez parte da campanha que rendeu o sexto lugar à seleção feminina. Estava certo de que teria uma boa chance de subir um degrau e chegar às Olimpíadas como treinador principal. Foi vencendo etapas, assumiu a função e estava próximo de atingir o objetivo quando, a um ano da edição de Atenas-2004, teve de pedir demissão. As jogadoras não concordavam com seus métodos de trabalho, algumas titulares deixaram o time. Para o seu lugar foi chamado José Roberto Guimarães. Quis o destino que oito anos depois, os dois estivessem frente a frente exatamente na partida de estreia dos Jogos de Londres, marcada para sábado. Zé, buscando o segundo ouro seguido para o Brasil. Marco Aurélio, como franco-atirador vestindo o uniforme da Turquia e querendo estragar a festa dos favoritos.

Embalada a equipe está. A sequência de bons resultados, iniciada com a medalha de bronze no Europeu em 2011, fez a confiança aumentar. Se havia apenas uma vaga em disputa para realizar o sonho olímpico, lutaram por ela. Não quiseram saber se do outro lado da rede havia um adversário com mais tradição e títulos. As pupilas de Marco Aurélio fizeram o dever de casa, diante de sua torcida, e venceram o Pré-Olímpico da Europa. A festa foi grande e justificável pelo tamanho da espera. Com o resultado, garantiram a primeira participação da modalidade na história dos Jogos. Logo em seguida, veio o terceiro lugar no Grand Prix, ficando atrás apenas de americanas e brasileiras.  

- Para mim esta participação vem em um momento de maturidade em minha carreira, portanto, espero controlar a minha ansiedade. Passa um filme pela cabeça que começou 35 anos atrás, em 1977, no mirim do Botafogo. Jogar contra o Brasil em minha estreia como técnico é algo que não havia imaginado antes - disse o treinador.
Marco Aurélio Motta, técnico da seleção de vôlei da turquia (Foto: Arquivo Pessoal)
 
Em dois anos de trabalho você conseguiu um feito inédito. Como foi a trajetória até a vaga olímpica? Teve de mudar muitas coisas com relação ao que já vinha sendo feito na seleção turca?

Marco Aurélio Motta: A qualificação olímpica europeia era a nossa última chance para participar dos Jogos. Jogávamos contra as melhores equipes do continente, exceto a Itália, por uma apenas uma vaga. A pressão era muito grande por jogarmos em casa, mas ganhamos todas as partidas, perdendo apenas dois sets em toda a competição. O bronze no Campeonato Europeu de 2011 foi muito importante para adquirirmos autoconfiança na luta pela vaga, pois vencemos a Rússia e a Itália (por duas vezes). Algumas mudanças foram feitas na composição da equipe com a introdução do sistema de duas líberos: uma para recepção e outra para defesa. Outra mudança foi na melhor relação entre bloqueio e defesa.

Como foi o tratamento recebido pelo time depois da conquista?

Esta conquista representa a primeira participação olímpica em esportes coletivos para a Turquia desde 1960. Tem uma dimensão enorme para o país, que tem pretensões de organizar os Jogos de 2020. O voleibol feminino é o terceiro esporte da Turquia, atrás apenas do futebol e do basquete masculino. O retorno de imagem com a participação olímpica aumentará ainda mais o interesse pelo esporte por lá. Hoje, a Liga Turca é uma das mais importantes ligas de clubes do mundo. O voleibol tem um investimento grande da iniciativa privada.
Marco Aurélio Motta, técnico da seleção de vôlei da turquia (Foto: Divulgação / FIVB)
 
Qual a sensação de vestir um uniforme que não o do Brasil nas Olimpíadas e, principalmente, como vai ser enfrentar a equipe de Zé Roberto?

A sensação de realização profissional. Participar dos Jogos é uma etapa muito importante na carreira de todo treinador ou jogadora. A Turquia é minha segunda casa, onde recebo manifestações de carinho por parte de jogadoras, famílias, treinadores e jornalistas. Eu me sinto respeitado profissionalmente e apoiado pessoalmente. Poder retribuir este carinho com o resultado do meu trabalho é algo que me orgulha muito. Jogar contra o Brasil em minha estreia como técnico é algo que não havia imaginado antes. Mas o meu foco é completamente voltado para que a minha equipe expresse o crescimento do voleibol turco nos últimos anos.

Como vê o cenário mundial hoje? Acredita que o Brasil tem chance de deixar
Londres com o bicampeonato?


Pelo que apresentou nos últimos anos, os EUA são os favoritos, pois têm uma equipe muito equilibrada. O Brasil tem uma equipe madura, com experiência olímpica, que joga junta há muitos anos nas principais competições mundiais e deve ser respeitada. Rússia, Itália, China, Japão, Sérvia são sempre competitivas. Equipes como a Turquia, embora sem tradição olímpica, são sempre perigosas e podem tirar alguns dos favoritos da briga por medalhas. Será uma competição interessante!

O que achou dos grupos? Qual o objetivo traçado para o seu time nos Jogos?

São dois grupos muito desequilibrados. De um lado Inglaterra, Argélia e República
Dominicana, em teoria as equipes menos cotadas no cenário mundial. Por outro lado, quem se qualificar no nosso grupo pode ter alguma vantagem nas quartas de finais. Será um torneio muito duro para a Turquia. Não teremos um jogo para respirar, mas o nosso espírito será de lutar partida a partida para passar para as quartas.

Como acha que vai ser controlar a sua ansiedade e de suas jogadoras também?

Somos uma equipe em formação, com pouca experiência em grandes manifestações mundiais. Iremos com a convicção de que temos muito a ganhar e pouco a perder com esta primeira participação olímpica. Essa autoconfiança foi criada pelo nosso processo de qualificação, superando todos os obstáculos com muito entusiasmo.
Marco Aurélio Motta, técnico da seleção de vôlei da turquia (Foto: Agência Getty Images)
 
O Ramadã cai durante as Olimpíadas. É uma preocupação?

Embora de tradição muçulmana, a vida cotidiana das atletas não é afetada pela religião. Alguns feriados religiosos são respeitados, mas sem extremismos.

Foi uma frustração ter deixado o cargo de técnico da seleção brasileira antes dos Jogos de Atenas? Hoje, quando olha para trás e lembra da sua passagem pela equipe,  do episódio do boicote das jogadoras, o que vem a sua cabeça?

Um pouco de tristeza pelo modo como foi conduzido todo esse processo. Após quase 10 anos reconstruir esses fatos me parece irrelevante, desnecessário e leviano. Estaria usando o sucesso da minha equipe para um acerto de contas pessoal. Durante esse tempo, o apoio familiar e o respeito das pessoas, que são referências na minha vida profissional, me ajudaram na reconstrução da minha carreira. Sempre procurei agir com seriedade e responsabilidade, meus erros e acertos fazem parte desta trajetória.

Marco Aurélio Motta, técnico da seleção de vôlei da turquia (Foto: Divulgação / FIVB)
 
Como foi a sua adaptação ao vôlei turco? A cultura diferente, os costumes influenciaram de alguma forma o trabalho?

Foi muito simples a minha adaptação quando cheguei em 2004 ao meu antigo clube, o Eczacibasi. Apesar de toda a diversidade cultural e religiosa, existe uma identificação muito grande entre a sociedade turca e brasileira nas relações pessoais. E o esporte ganha força ano após ano. A pretensão de organizar os Jogos de 2020 alavanca investimentos em infraestrutura esportiva. Neste cenário, o esporte feminino é visto como um veículo de emancipação feminina e barreira a ideias religiosas extremistas sendo apoiado pela população laica e moderada. Ao iniciar o meu trabalho, participei de uma reunião com o conselho de administração do clube. Depois fui participar do primeiro treinamento e tínhamos oito jogadoras e um assistente técnico. Teria muito a fazer para convencê-los a mudar todo o sistema. Após muito sacrifício para implantarmos um modelo, conquistamos nas duas temporadas seguintes 11 títulos nacionais dos 12 disputados em todas categorias do mirim ao adulto. Após três anos, além dos títulos, havia 11 treinadores, assistentes e estatísticos trabalhando de forma integrada em todas as categorias do clube. Todo este investimento era menor do que o valor pago a uma jogadora estrangeira por temporada. Esse sistema influenciou muitos clubes a modificar sua estrutura dando aos treinadores mais autonomia.

Você também trabalha com as categorias de base na Turquia. A nova geração está
bem servida? Que expectativa tem para os Jogos do Rio-2016?


Coordeno as equipes femininas e fui treinador da infanto-juvenil e da adulta.
Conquistamos o Europeu e o Mundial infanto-juvenil, títulos inéditos entre todos os
esportes coletivos turcos. Pelo que observei, as próximas gerações aumentarão ainda mais o nível físico e técnico do voleibol turco nos próximos anos. Embora muito tenha que ser feito, a motivação é grande e não faltarão recursos para esta tarefa. A Turquia tem uma base relativamente jovem, com muitas jogadoras em torno dos 24 anos. Com a mescla destas gerações, a equipe estará ainda mais forte para as Olimpíadas de 2016. Por onde passei - Brasil, Itália e Turquia -, procurei não me restringir à formação de equipes, mas em contribuir na formação de jogadoras, treinadores e de projetos que alavancassem o desenvolvimento do voleibol nestes países. Fico feliz ao ver que ajudei mais a construir do que a destruir ao longo desses anos.


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