É como se os anos não tivessem passado. Como em um reencontro entre velhos amigos que rompe as barreiras de tempo e espaço em um piscar de olhos. Foi assim, em uma rápida conversa por telefone, que Emanuel convidou Ricardo para reeditar uma das mais vitoriosas parcerias do vôlei de praia. Separados desde 2009, os campeões olímpicos em Atenas 2004 resolveram unir forças a dois anos das Olimpíadas do Rio. Somando 80 anos - 39 de Ricardo, 41 de Emanuel -, eles serão os adversários a serem batidos na briga por uma das duas vagas do Brasil nos Jogos. Os veteranos realizaram o primeiro treino oficial nesta quarta-feira e já demonstraram que a velha sintonia em quadra está praticamente intacta.
- É como um reencontro entre amigos. Como se um morasse na Austrália, passasse um tempo sem encontrar, aí faz uma ligação e tem a impressão que de já sabe como o outro vai reagir... Foi muito fácil ligar para o Ricardo. Ele estava distante, mas nunca deixou de estar no meu rol de grandes amigos. Mesmo sendo rivais nos últimos anos, tínhamos muito respeito um pelo outro. Somos competitivos e tentávamos nos resguardar, mas não brigamos. Se houvesse briga ou clima ruim, a dupla não seria retomada. Trabalhamos juntos em busca de um sonho em João Pessoa, e agora vamos correr atrás de outro num lugar diferente. Tudo o que a gente construiu ficou lá. E o Rio de Janeiro é o lugar perfeito para escrever essa história - analisou Emanuel.
Nascido em Salvador e radicado em João Pessoa há 17 anos, Ricardo gosta da vida tranquila e pacata que leva na "Porta do Sol", cidade que o acolheu e o faz se sentir um paraibano nato. Aos poucos, ele foi trazendo os familiares e montou um centro de treinamento que virou referência na Praia de Cabo Branco. Há dois anos, lançou um outro empreendimento, ali perto, no Clube Cabo Branco: uma academia onde pratica jiu-jitsu e outras atividades. Casado e pai de três filhos, o baiano terá de se desdobrar para conciliar os treinos no Rio com a família e os negócios na capital paraibana.
- Sei que vou ter que me ausentar de casa para que esse projeto seja vitorioso. Tenho um empreendimento que está se fortalecendo e eu não posso largar. Preciso sentar com a minha família e ver como faremos. O Emanuel fez isso, agora é a minha vez. Queremos vivenciar o nosso momento no Circuito Brasileiro e tirar a pressão por sermos medalhistas olímpicos. Vamos trabalhar para encontrar um ponto de equilíbrio e uma fórmula de jogar, sem criar expectativas. Sabemos que a cobrança será grande, mas muita coisa mudou nesses cinco anos. O esporte está mais competitivo, os atletas estão mais altos e precisamos recriar a nossa sintonia. Apesar de não sermos jovens como naquela época, temos muita vontade de buscar algo novo - disse Ricardo, também conhecido como "Block Machine" no exteior e "Muralha" no Brasil.
Juntos de 2002 a 2009, Ricardo e Emanuel foram campeões das principais competições da modalidade: além do ouro em Atenas, foram bronze nas Olimpíadas de Pequim 2008, ouro no Campeonato Mundial de 2003 e nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro (2007). Faturaram ainda três títulos do Circuito Brasileiro (2006/2003/2002) e cinco títulos do Circuito Mundial (2007/2006/2005/2004/2003).
Separado de Alison desde o início deste ano, Emanuel estava jogando ao lado de Pedro Solberg. Ricardo, campeão da temporada 2013/2014 do Circuito Brasileiro ao lado de Márcio, era parceiro de Álvaro Filho no Circuito Mundial. Juntos, o baiano e o jovem paraibano foram vice-campeões mundiais de 2013.
Elixir da juventude
A mescla entre juventude e experiência foi uma estratégia que deu certo até certo ponto, afinal, a longevidade nas areias é subjetiva. Para conquistar o inédito bicampeonato olímpico no Rio de Janeiro, as duas "lendas vivas" precisam encontrar a química ideal e se manter em alto nível. Em 2016, Emanuel terá 43 anos e Ricardo, 41. Uma dupla de 84 anos de idade. A dupla mais velha a garantir uma medalha nos Jogos foi Mike Dodd e Mike Witmarsh, com 38 e 34 anos, respectivamente, em 1996, somando 76 anos. Entre as dez melhores duplas do Circuito Mundial, os mais velhos são os americanos Rosenthal e Dalhausser, com 34 anos cada, formando uma dupla de "68 anos".
- Continuo sendo o mais novo da dupla, né? (risos) Esse lance de idade pode interferir para alguns, mas para outros não. A vida útil de um atleta no vôlei de praia é mais longa. Temos hoje o líder do ranking mundial com 34 anos, formando o time mais velho da competição. O mais importante no nosso caso é que, independentemente da idade, formamos duplas com outros atletas e saímos vitoriosos. Em um momento decisivo, a experiência pode fazer a diferença. Eu espero que faça. O segredo da juventude é dedicação e planejamento dentro e fora de quadra. Não ter uma lesão grave também é importante - destacou Ricardo.
- A nossa arma será a experiência e a qualidade que construímos há 20 anos. Queremos surpreender e cortar caminhos com a nossa maturidade. Tivemos experiências com atletas da nova geração e eu aprendi muito com esse vôlei moderno, de força e estratégia. Está tudo ainda muito novo. Queremos ir bem no Brasileiro, aproveitar o início da temporada e decolar. Ainda vejo 2016 como algo distante. Olimpíada é uma coisa muito emocional. Para chegar lá, preciso transformar Olimpíada em razão.
A dois anos dos Jogos Olímpicos do Rio, eles terão a companhia de uma velha conhecida: Letícia Pessoa, que os comandou na seleção brasileira masculina, apesar de estarem em lados opostos no tanque de areia. A técnica também trabalhou com Emanuel na vitoriosa parceria com Alison, que conquistou o Mundial de 2011, o Pan de Guadalajara e a prata em Londres 2012. Após uma temporada como técnica da seleção masculina de vôlei de praia - o projeto foi encerrado em maio deste ano -, Letícia estava trabalhando com Juliana e Maria Elisa, atuais líderes do Circuito Mundial. Após a reviravolta, a treinadora continuará no comando das duas equipes.
- Foram muitas mudanças em pouco tempo, não temos controle nenhum das nossas vidas. Jamais iria pensar que voltaria para o feminino e muito menos que iria treinar uma dupla que eu imaginei que nunca mais fosse jogar junta. Estou muito feliz por ter sido presentada por esses dois times. Deus me abençoou mais uma vez. Amo muito o que eu faço e vou dar o meu máximo para que esses dois times consigam a classificação para os Jogos Olímpicos e garantam uma medalha para o nosso país.
A reestreia dos campeões olímpicos será na etapa de abertura do Circuito Brasileiro 2014/2015, em Vitória (ES), de 28 a 31 de agosto. Pelo Circuito Mundial, eles só devem atuar na etapa brasileira, de 23 a 28 de setembro, em Barueri (SP).
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