
— Ele não deveria ter carro em Cuba, até pela situação financeira que vivia. Então, chegou aqui um pouco duro em relação à direção e brincávamos que tínhamos medo de andar de carro com ele. Hoje, tem um bom carro, dirige melhor, mas a brincadeira continua. No ônibus, se acontece alguma coisa, a gente grita: "Leaaaal!!!", como se ele estivesse ao volante. Ele dá risada — conta William, numa demonstração de que o atacante, o melhor da Superliga, está adaptado aos brasileiros.
Leal, que defendeu pela última vez a seleção de Cuba em 2010, está no Brasil desde 2012. E ontem, em reunião do conselho executivo da Federação Internacional de Vôlei (FIVB), no Marrocos, conseguiu autorização para defender a seleção brasileira após cumprir dois anos de carência. Assim, é esperança para Tóquio-2020 e poderá ser o primeiro estrangeiro, naturalizado, a defender o Brasil no vôlei.
— Ele merece. É um cara que trabalha muito sério, é de grupo, e muito querido. Não teria problema em integrar a seleção. O grupo o aceitaria tranquilamente pela pessoa e o profissional que é — diz William, que também o defende na seleção. — O Leal ajudaria demais porque é um jogador de força. E como ele tem poucos no Brasil. Temos bons ponteiros, a maioria mais passadores e habilidosos, não com tanta potência. Ele brigaria pela posição porque ninguém tem vaga garantida, mas eu aposto que ganha. É um dos melhores ponteiros do mundo, extremamente ofensivo, com potencial de saque, ataque e bloqueio. É um definidor nato.
Tomando por base a última convocação para a Rio-2016, seus "concorrentes" seriam Lucarelli, Maurício Borges, Lipe e Douglas Souza.
Questionada, a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) explicou que "intercedeu junto à FIVB solicitando que o processo tivesse celeridade com o objetivo de ajudar o jogador diante de seu desejo manifesto". Não explicou, porém, os planos para Leal. Anteriormente, havia comentado que ele poderia treinar com a seleção já em 2018. O técnico Renan dal Zotto só se pronunciará a respeito na segunda-feira, quando fará nova convocação.
Leal, hoje com 27 anos, decidiu sair de Cuba após o Mundial da Itália, em 2010, quando sua seleção perdeu a final para o Brasil. Na volta para casa, ele e outros atletas decidiram abandonar a seleção e ficaram impedidos de jogar por dois anos. Esse é o procedimento para quem quer sair da ilha para jogar no exterior. À época com 20 anos e pai de um menino, esperou a "quarentena" sem sequer poder fazer academia. Ganhou cerca de 20 quilos e se transferiu para o Cruzeiro em busca de uma vida melhor.
— Eu tinha propostas da Polônia e da Rússia, mas o Cruzeiro andou rápido com os papéis de transferência e passou a me mandar dinheiro já em Cuba. Além disso, o clima no Brasil me agrada mais — explica Leal, eleito o melhor sacador da Liga Mundial de 2010. — Esperávamos melhores condições para nós atletas e nada aconteceu. Por isso, decidi deixar a seleção cubana. Tomei uma decisão e não me arrependo.
TATUAGEM
Leal não só se adaptou ao Brasil como conquistou títulos. Desde que desembarcou em Belo Horizonte, foi tricampeão da Superliga (2013/14, 2014/15 e 2015/16), sendo considerado o melhor atacante em 2013/14 e 2012/13 (time foi vice) e o melhor jogador da final em 2014/15. Também é tricampeão mundial de clubes (2016, 2015 e 2013), sendo eleito MVP em 2015 e melhor ponteiro em 2013 e 2016. No domingo, disputará mais uma final de Superliga.
A ascensão meteórica não foi fácil.
— Chorei muito. Vim sozinho, sem minha esposa, grávida. Fiquei um ano assim. Sentia falta de todos — lembra o ponteiro, que volta à ilha todos os anos para visitar os pais. — Quando decidi me naturalizar, três anos depois, tatuei (no antebraço esquerdo) uma frase de Che Guevara: "No se vive celebrando victorias, sino superando derrotas". Tem a ver com a minha história. Lutei muito. Não nego minhas raízes, nasci em Cuba. Mas vivo aqui e estou feliz. Não voltaria a morar lá. As coisas pioraram. Agora quero disputar uma Olimpíada. Quando encerrar a carreira, pretendo morar nos Estados Unidos, onde tenho uma casa.
Para voltar aos 100, 102 quilos, contou com Marcelo Mendez. O técnico do Cruzeiro diz que Leal está entre os dois ou três melhores jogadores do mundo:
— Ele trabalhou muito e voltou ainda melhor. Chegou com sobrepeso e fez tudo o que precisou. Sempre foi um bom atacante e sacador e melhorou nos outros fundamentos. É um menino de que gosto muito, quero vê-lo feliz. Ele sente prazer quando joga, treina, disputa um jogo pra ganhar. Ele gosta muito da seleção e quer jogar uma Olimpíada. Acho que está completamente capacitado.
Bernardinho concorda. Ex-técnico da seleção, ele o incentivou a se naturalizar.
— Ele já está há tanto tempo no Brasil... Antes de querer jogar na seleção, quis se tornar brasileiro. Vive, tem um filho, construiu a vida aqui. Não aproveita uma condição, não caiu de paraquedas.

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